terça-feira, 1 de setembro de 2009

O arsenal udenista está de volta, o que poderá detê-lo?

A moralidade de quase todos os grandes órgãos da imprensa brasileira está empenhada em corroer a candidatura Dilma Rousseff, custe o que custar. A observação de Gramsci sobre a "imprensa que adquire funções de partido político" se aplica como uma luva ao jornalismo praticado hoje no país. Carlos Lacerda (foto), caracterizado como "o Corvo" nas charges publicadas pelo jornal getulista Última Hora, manejava com maestria o ferramental de fraudes & ofensas, que hoje encontra aprendizes excitados nas redações.O artigo é de Saul Leblon. O método da calúnia é tão antigo no arsenal político da direita quanto o seu objetivo de alcançar o poder a qualquer custo, seja pelo voto, o impeachment, o golpe, a fraude ou uma mistura das quatro coisas simultaneamente, como fez a UDN nas eleições de 1955, na primeira chance real de chegar ao poder pelo voto, depois da tentativa de golpe abortado pelo suicídio de Vargas.

Não deu certo. Os udenistas Juarez Távora e Milton Campos tiveram 30% dos votos contra 36% dados a Juscelino. A vitória apertada, mas indiscutível da chapa que tinha como vice João Goulart, herdeiro político de Vargas, não desanimou os udenistas.

Derrotados nas urnas em outubro de 1955, desencadearam uma campanha agressiva para impedir a posse de Kubitschek, marcada para janeiro do ano seguinte. Na linha de frente do golpismo estava o jornal O Estado de São Paulo - alter-ego da UDN paulista. O mesmo que hoje lidera a pressão pela derrubada de Sarney em nome da "moralização" do Congresso e da faxina ética na política nacional.

Não é preciso ser simpatizante da oligarquia maranhense para suspeitar que existe algo mais do que mau jornalismo no bombardeio que atribui a Sarney todas as malfeitorias praticadas no Senado, desde a sua criação em 1824, na primeira Constituição do Império. O que está por trás é a volta do arsenal "democrático" udenista em pleno aquecimento para 2010, quando o PMDB terá peso decisivo na sucessão de Lula, que cultiva o apoio da legenda num acordo de reciprocidade com Sarney.

A ressalva é tão óbvia que chega a ser admitida nas entrelinhas de editorialistas espertos, funcionando mais como salvaguarda cínica do texto, do que uma crítica efetiva ao jornalismo praticado em nome da moralidade.

A moralidade de quase todos os grandes órgãos da imprensa brasileira está empenhada em corroer a candidatura Dilma Rousseff, custe o que custar. A observação de Gramasci sobre a "imprensa que adquire funções de partido político" se aplica como uma luva ao jornalismo praticado hoje no país.

Cada flanco que se abre nas fileiras do governo aciona pautas especiais; mini-editorias específicas; forças-tarefas montadas a toque de caixa. "Analistas" e acadêmicos são requisitados para teorizar sobre "a decadência irreversível do petismo", ao mesmo tempo em que petistas hesitantes, e ex-petistas recorrentes, endossam a dissolução da pureza vermelha contaminada pelos vícios do poder.

Desprovida de partidos de massa, a direita sempre teve nas campanhas midiáticas um valioso instrumento de intervenção na ordem institucional.

Se desta vez a mutação flagrada por Gramasci ganha acentuação inédita é porque os resultados acumulados pelos dois mandatos de Lula deixaram um minúsculo campo programático para a coalizão demotucana se movimentar em 2010. O braço midiático deve compensar com denúncias a fragilidade propositiva.

Malgrado as limitações da aliança que o sustenta, Lula superou a pior crise do capitalismo desde 1930, acentuando as linhas de vantagem do seu governo em relação à estratégia conservadora abraçada pelo PSDB e predominantemente apoiada pela mídia. A saber: o desastroso recuo do Estado em todas as frentes do desenvolvimento; o alinhamento carnal com os EUA na política externa e comercial; a terceirização dos grandes desafios sociais à "eficiência dos mercados auto-regulados". Hoje esse cardápio se traduz na tentativa de desconstrução caluniosa da candidatura Dilma Rousseff; nas denúncias contra a Petrobras e na torcida mal-disfarçada com o êxito do país no pré-sal.

Tivesse o Brasil persistido nessa rota, seria hoje uma terra arrasada por desemprego e quebradeira, a exemplo do que sucede no Leste europeu - última fronteira de expansão do neoliberalismo e seu obituário mais dramático.

Ocultar esse flanco substituindo o principal pelo secundário, portanto, sobrepondo à transparência da crise o que o monopólio midiático pauta como relevante, é o recurso precioso de Serra para contrabalançar sua opacidade programática em 2010.

Trata-se de uma das especialidades legadas pelo udenismo à política nacional. Carlos Lacerda, caracterizado como "o Corvo" nas charges publicadas pelo jornal getulista Última Hora, manejava com maestria o ferramental de fraudes & ofensas, que hoje encontra aprendizes excitados nas redações.

Exemplos: dia 22 de agosto o comentarista político Fernando Rodrigues, classificou o senador Mercadante de "vassalo" do Planalto, com chamada na primeira página da Folha; antes dele, Danuza Leão comparou a ministra Dilma Rousseff , na mesma Folha, a um misto de pai autoritário e diretora "carrasca". Analista das Organizações Globo, o que não significa apenas uma inserção profissional, Lucia Hippolito espetou no título de um comentário sobre o PT (Globo online) o vocábulo-síntese de sua filiação carnal ao udenismo: "a pelegada".

A fome dos petizes lacerdistas encontra fontes obsequiosas nas fileiras oposicionistas.

Olhos, ouvidos e bocas de Serra na capital federal, ao lado de Virgílio, Agripino, Sergio Guerra e Jereissati, o senador pernambucano Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) definiu o PT, em recente entrevista, como uma sublegenda do "lulismo". Na boa tradição udenista equiparou o "lulismo", portanto o Presidente da República, aos "caudilhismos latinoamericanos, a exemplo do peronismo argentino". O conservadorismo do senador evoca um tema recorrente no cardápio lacerdista, que inspirou violenta campanha contra Vargas nos anos 50, fartamente difundida pela rádio Globo, dirigida pelo jovem udenista, Roberto Marinho.

Vale a pena rememorar esse "case" do modo udenista de abduzir a realidade e derivar daí vale-tudo de aniquilação dos adversários.

Em abril de 1954, o governo Vargas sangrava. Uma ciranda de ataques descomprometidos de qualquer outra lógica que não a derrubada de um projeto de desenvolvimento nacionalista fustigava o Presidente que criara a Petrobras, o BNDES e aplicava uma política de fortalecimento do mercado interno com forte incremento do salário mínimo.

O clima pesado de acusações e ofensas pessoais atingia Getúlio e sua família de forma indiscriminada. Lutero, irmão do Presidente, era tratado nas manchetes como "bastardo" e "ladrão". O ministro do Trabalho, João Goulart, era reduzido a "personagem de boate". Faltava, porém, um ponto de coagulação para transformar o tiroteio desordenado em míssil capaz de abrir um rombo na legalidade institucional.

Em meio à radicalização, em março de 54 surge a denúncia de que "os caudilhos" Vargas e Perón planejavam um suposto "Pacto ABC" (Argentina –Brasil –Chile), cuja meta era "a integração sul-americana num arquipélago de repúblicas sindicais contra os EUA".

Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa e na rádio Globo, e a Banda de Música da UDN no Congresso – um pouco como o jogral que hoje modula as vozes da coalização demotucana e da mídia "ética" - martelavam a denúncia incansavelmente, testando por aproximação as condições para o impeachment de Vargas.

A notícia do pacto foi vigorosamente desmentida pela chancelaria argentina, mas um ex-ministro rompido com Getúlio, aliou-se a Lacerda para oferecer "evidências" das negociações entre o Brasil e Perón.

A inexistência de provas – exceto a menção genérica de Perón à uma aliança regional — não demoveu a mídia que deu à declaração ressentida do ex-ministro contornos de verdade inquestionável, repetida à exaustão até acuar o governo.

Vargas reagiu na única direção que lhe restava. No 1º de maio de 1954 anunciou o famoso reajuste de 100% para o salário mínimo num discurso marcado por elogios a Goulart, o ministro do Trabalho, mentor do reajuste, afastado pela pressão udenista.

Ao conclamar os trabalhadores a se organizarem para defender seus próprios interesses, o discurso de 1º de Maio soava como um ensaio de despedida. Talvez até mais radical, na convocação aos trabalhadores, do que a própria Carta Testamento deixada quatro meses depois, quando o Presidente atirou contra o próprio peito para não ceder à pressão da mídia pela renúncia.

"A minha tarefa está terminando e a vossa apenas começa. O que já obtivestes ainda não é tudo. Resta ainda conquistar a plenitude dos direitos que vos são devidos e a satisfação das reivindicações impostas pelas necessidades (...) Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituí a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo" (Getúlio Vargas, 1º de Maio de 1954).

A dramaticidade do suicídio iluminou o quadro político gerando transparência e revolta diante do golpismo em marcha. Porta-vozes da oposição a Getúlio foram escorraçados nas ruas do Rio; uma multidão consternada e enfurecida cercou e depredou a rádio Globo que saiu do ar; veículos do jornal de Roberto Marinho foram caçados e queimados nas ruas da cidade. Para Carlos Lacerda não sobrou um centímetro de segurança em terra: o "Corvo" foi obrigado refugiar-se no mar, a bordo do cruzador Barroso.

A determinação conservadora de arrebatar o poder, todavia, não esmoreceu.

Poucas semanas depois do suicídio, em 16 de setembro de 1954, uma segunda "denúncia" associada ao Pacto ABC explodiria nos microfones da rádio Globo. Era a largada, com 12 meses de antecipação, para a primeira disputa eleitoral em vinte e quatro anos que não contaria com a presença divisora de Getúlio na cena nacional.

O alvo agora era João Goulart, o herdeiro político do presidente morto e adversário certo da UDN no pleito de outubro de 1955. Na voz estridente de Lacerda, comentarista de diversos programas da emissora de Marinho, foi lida em primeira mão a "Carta Brandi". Uma suposta correspondência do deputado argentino Antonio Brandi a João Goulart , apresentada como a prova "definitiva" da conspiração para implantar "uma república sindicalista no Brasil".

Na efervescência da guerra eleitoral, o escândalo levou o Exército a abrir inquérito imediatamente, enviando missão oficial a Buenos Aires para aprofundar as investigações.

A conclusão oficial de que tudo não passara de uma grosseira fraude, forjada por Lacerda e alimentada pela imprensa anti-getulista, não abalou seus protagonistas. Lacerda rapidamente mudou o foco da denúncia, invertendo os termos da equação: fora vítima de uma cilada, uma isca arquitetada por adversários eleitorais para desmoralizar a democracia e acelerar a implantação de uma república sindical no país - exatamente como descrevia a (falsa) "Carta Brandi".

"(...) Se a carta não é verdadeira", escreveu na Tribuna de Imprensa, um mês depois da derrota da UDN para JK e Jango no pleito de outubro de 1955, "seu conteúdo está de acordo, mais ou menos, com o que se sabe da vida política do sr. Goulart..."

Qualquer semelhança com o malabarismo denuncista que povoa a mídia tucana nos nossos dias não é mera coincidência. Os mesmos objetivos, os mesmos métodos, a mesma elasticidade ética e democrática estão de volta.

A vitória apertada de JK em 1955 foi tratada pelo udenismo como uma sintoma de "ilegalidade das urnas". Inconformada, a chamada "imprensa da UDN" iniciou uma nova campanha, desta vez liderada pelo jornal Estado de São Paulo, que não poupou papel e tinta na luta para impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek.

Se chegaram a esse ponto contra JK em 1955 e fracassaram, muito se deve ao desbloqueio do discernimento popular causado pelo suicídio do estrategista genial que foi Getúlio Vargas. O arsenal udenista, porém, está de volta e seu partido midiático não disfarça a determinação de transformar 2010 na nova inflexão conservadora na vida do país. Resta saber que força poderá detê-los agora, a ponto de despertar na sociedade o mesmo efeito esclarecedor do tiro que sacudiu o país na manhã de 24 de agosto de 1954.


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COMENTÁRIOS (40 Comentários)




Opinião Comentário Autor Data
Simplesmente elucidador e c... Fabio Moura Duarte 01/09/2009
Existem tantas semelhanças ... henrique de olivei... 01/09/2009
Ao destituir o movimento po... jose romano 01/09/2009
que bela imprensa voces são... fernando brito 01/09/2009
Resumo atualizado daqueles ... Rogerio Brant 31/08/2009
Francisco. Vc tem razão, a... Luiz antonio Calda... 31/08/2009
Também tenho nojo dessa imp... victor 31/08/2009
Fantástica lição de Históri... Umbelina Oliveira 31/08/2009
Bela análise! Como disse Fr... Older Olivio Paris... 31/08/2009
Parabéns pelo artigo lúcido... Rui Gomes de Matto... 31/08/2009
Só pra dizer que adorei o a... Amanda 31/08/2009
otimo texto. brilhante a ex... harley 31/08/2009
Excelente análise do papel ... Luiz Ricardo 31/08/2009
Confesso que sou pessimista... Ana 31/08/2009
É provável que seja um dos ... Sebastian Rojas Ar... 31/08/2009
Excelente matéria, que todo... wagner Santos 31/08/2009
Lançando um olhar aqui da p... francisco. 31/08/2009
Interessante a viagem ao pa... Pietro Guerriero 31/08/2009
Em maior alerta porque, des... Aldo Cardoso 31/08/2009
Getúlio infelizmente não ti... Aldo 31/08/2009
Há tempos não lia uma matér... Antonio Menin 31/08/2009
Lula não precisará dar um t... Hudson Luiz 31/08/2009
Muito bem dito, Saul. A "co... José Roberto 31/08/2009
O que poderá detê-lo é a fo... Alvaro Fernando 31/08/2009
Sugiro quatro possibilidade... Daniel Valença 31/08/2009
A Folha diria que tanto a a... Paulo Miranda 31/08/2009
No texto do Saul, 0 "valent... Francisco Antonio ... 30/08/2009
Ola. Eu vejo que as coisas ... Joaquim Giorni 30/08/2009
ESTES SÃO OS CANDIDATOS IDE... ANTÔNIO ALBERTO (P... 30/08/2009
Os comentários do José de S... Rui Sereno 30/08/2009
Concordo com o comentário d... Evaldo Martins 30/08/2009
ótima matéria. Já passamos ... Pedroso 30/08/2009
AINDA BEM QUE TEMOS ALTERNA... PAULO SÉRGIO 30/08/2009
Bá, Saul Leblon é o que há ... Flavio Wolf de Agu... 30/08/2009
Havia me esquecido desse go... José de Souza Júni... 30/08/2009
Perfeito e muito oportuno o... Luiz Antonio Calda... 30/08/2009
Até quando o Lula vai dar d... Lucia Gimenez de A... 30/08/2009
Tudo bem, mas bem que poder... Suzana Perrone 30/08/2009
O calendário político já es... José Luiz Rossi 30/08/2009
Simples, é assim mesmo. Bel... ricardo silveira 30/08/2009
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01/09/2009

Lula lembra dos tempos do pensamento subalterno, da Petrobrax : Se os tucanos tivessem ganhado em 2002, hoje provavelmente a festa do pré-sal seria no Texas, ou em Cingapura - na sede da empresa que teria assumido o controle da Petrobrax. Os tempos do "pensamento subalterno", os tempos de tirar os sapatos para os Estados Unidos, esses ficaram pra trás. "Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa", disse o presidente Lula no lançamento do pré-sal. O artigo é de Rodrigo Vianna

30/08/2009

O pré-sal e o esforço dos tucanos contra a Petrobras : No momento em que o governo brasileiro anuncia as regras para a exploração da camada pré-sal, o PSDB negocia com empresa norte-americana para "assessorar" partido na CPI da Petrobras. Segundo o site de Paulo Henrique Amorim, empresa trabalha para concorrentes da Petrobras. Pela atual avaliação do pré-sal, o Brasil poderá atingir, em 2015, a produção média de aproximadamente 3,4 milhões de barris/dia de petróleo.

O arsenal udenista está de volta, o que poderá detê-lo? : A moralidade de quase todos os grandes órgãos da imprensa brasileira está empenhada em corroer a candidatura Dilma Rousseff, custe o que custar. A observação de Gramsci sobre a "imprensa que adquire funções de partido político" se aplica como uma luva ao jornalismo praticado hoje no país. Carlos Lacerda (foto), caracterizado como "o Corvo" nas charges publicadas pelo jornal getulista Última Hora, manejava com maestria o ferramental de fraudes & ofensas, que hoje encontra aprendizes excitados nas redações.O artigo é de Saul Leblon.

26/08/2009

Quando Lina não era uma heroína : No dia 29 de agosto de 2008, o jornal Estado de São Paulo denunciava em matéria que a então chefe da Receita Federal, Lina Vieira, estava aparelhando o órgão e "loteando cargos entre sindicalistas". O jornalista Luiz Carlos Azenha recupera a memória deste episódio, mostrando que a grande imprensa brasileira desistiu definitivamente de ser levada a sério e transformou-se numa usina de factóides.

O papelão de Waldvogel e a desmontagem do factóide Lina : A jornalista Monica Waldvogel reuniu no programa "Entre Aspas", da Globonews, o ex-secretário da Receita Federal (no governo FHC), Everardo Maciel, o presidente do SindiReceita, Paulo Antenor, e um advogado tributarista para discutir a "crise da Receita". Após uma introdução onde denunciou o "aparelhamento" da Receita e apresentou Lina Vieira como "vítima" deste processo, ouviu dos convidados que o aparelhamento foi feito, na verdade, por Lina Vieira. Para jornalista Luis Nassif, comentário inicial de Waldvogel foi "vergonhoso, antijornalístico e desonesto".
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